EC 103/2019 - A REGRA DOS 21 ANOS NA PENSÃO POR MORTE: IMPACTOS E DEBATES PÓS-REFORMA.
- David Camargo adv
- 18 de mar.
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Por David Camargo, Advogado
Mais de cinco anos transcorreram desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019, marco da Reforma da Previdência. A pensão por morte para filhos maiores de idade persiste como questão complexa no direito brasileiro. Este artigo busca apresentar os posicionamentos antes e depois da reforma, de forma acessível ao leitor que quer ter uma visão geral sobre o tema.
Como Era Antes da Reforma
Antes da EC 103/2019, a legislação previa limite de 21 anos para pensão por morte a filhos. Contudo, a jurisprudência, sob princípios de proteção familiar e dignidade humana, permitia interpretações flexíveis, adaptando a norma à realidade social.
Tribunais superiores, como o STJ, reconheciam o direito à pensão para universitários até 24 anos, comprovada a dependência econômica. Essa interpretação visava garantir a continuidade dos estudos e a inserção no mercado de trabalho. A flexibilidade da jurisprudência refletia a necessidade de proteger jovens em contexto de mudanças socioeconômicas e dificuldades de acesso ao ensino superior.
Doutrinadores como Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari defendiam a análise individualizada dos casos, considerando as peculiaridades familiares e a finalidade protetiva da pensão. A discussão centrava-se na adequação da norma aos objetivos sociais em evolução.
O Que Mudou com a Reforma
A EC 103/2019 consolidou o limite de 21 anos para pensão por morte a filhos, exceto em casos de invalidez ou deficiência grave:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. FILHO MAIOR DE 21 ANOS INVÁLIDO. PRESUNÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA RELATIVA. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. O benefício independe de carência e é regido pela legislação vigente à época do óbito 2. O parágrafo 4º do art. 16 da Lei 8.213/1991 estabelece uma presunção relativa de dependência econômica do filho maior, inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, que pode ser elidida por prova em sentido contrário. Não se exige que a condição tenha se implementado após sua maioridade, sendo essencial apenas que ocorra antes do óbito do instituidor. 3. Comprovado o preenchimento de todos os requisitos legais, a parte autora faz jus ao benefício de pensão por morte. (TRF-4 - APELAÇÃO CIVEL: 5005356-60.2020 .4.04.7009 PR, Relator.: MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Data de Julgamento: 16/04/2024, DÉCIMA TURMA)
Essa mudança, buscando uniformizar a interpretação e reduzir a judicialização, visou a sustentabilidade do sistema previdenciário, diante de desafios demográficos e econômicos.
A reforma, ao estabelecer critérios objetivos, buscou racionalizar o sistema, eliminando a discricionariedade. Contudo, a medida gerou críticas. Especialistas em direito previdenciário argumentaram que a legislação desconsiderou a realidade socioeconômica de muitos jovens.
Críticos como Wladimir Novaes Martinez e Sérgio Pinto Martins apontaram que a reforma poderia agravar a vulnerabilidade de jovens pobres, em contexto de desigualdade social, desemprego e dificuldades de acesso ao ensino superior. A priorização da sustentabilidade gerou questionamentos sobre a adequação das novas regras à realidade social, evidenciando a tensão entre responsabilidade fiscal e proteção social.
O Que os Especialistas Dizem
A Reforma da Previdência, ao fixar o limite de 21 anos, polarizou o debate entre especialistas em direito previdenciário. Decorridos mais de cinco anos, a divergência persiste, revelando a complexidade do tema.
Uma corrente, representada por juristas como Daniel Pulino, defende a interpretação teleológica da lei, considerando a realidade social e a finalidade protetiva da pensão. Argumentam que a reforma, ao fixar limite etário inflexível, negligenciou particularidades e a vulnerabilidade de jovens dependentes do benefício. Acreditam que a análise individualizada, com foco na dependência econômica e na proteção, deve prevalecer sobre o rigor formal da lei.
Em contrapartida, doutrinadores como Fábio Zambitte Ibrahim defendem a aplicação estrita do limite de 21 anos, argumentando que a reforma buscou racionalizar o sistema e estabelecer critérios objetivos. Defendem a necessidade de garantir a sustentabilidade do sistema e evitar interpretações que comprometam sua solvência, argumentando que a flexibilização abriria precedentes para abusos. Acreditam que a segurança jurídica e a previsibilidade do sistema devem prevalecer sobre demandas individuais.
A divergência doutrinária reflete a tensão entre proteção social e responsabilidade fiscal, que permeia o debate sobre a previdência social no Brasil. A busca por equilíbrio entre esses princípios é um desafio constante.
O Que Acontece na Prática
Na prática, a regra dos 21 anos, da EC 103/2019, tornou-se o paradigma dominante. Os tribunais, em decisões administrativas do INSS, têm aplicado consistentemente o limite etário, consolidando jurisprudência que reflete a intenção da reforma:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR DE 21 ANOS. UNIVERSITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. TEMA 643 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Os requisitos para a obtenção do benefício de pensão por morte estão elencados na legislação previdenciária vigente à data do óbito, cabendo a parte interessada preenchê-los. No caso, a parte deve comprovar: (a) ocorrência do evento morte; (b) a qualidade de segurado do de cujus e (c) a condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. Descabe elastecer o termo final do benefício de pensão por morte pela condição de universitário do dependente, diante da existência de limite legal claro, sob pena de quebra do princípio isonômico. Súmula 74 desta Corte. Tema 643 do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes da Corte. (TRF-4 - AC: 50385982820204047100 RS 5038598-28.2020 .4.04.7100, Relator.: JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, Data de Julgamento: 27/04/2021, QUINTA TURMA)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO ATÉ COMPLETAR 24 (VINTE E QUATRO) ANOS. IMPOSSIBILIDADE. TEMA 643 DO STJ. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DESTA CORTE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos, firmou o entendimento que: "não há falar em restabelecimento da pensão por morte ao beneficiário, maior de 21 anos e não inválido, diante da taxatividade da lei previdenciária, porquanto não é dado ao Poder Judiciário legislar positivamente, usurpando função do Poder Legislativo" (Tema 643, STJ). Assim, impossível se estender a continuidade da percepção da pensão por morte a filho estudante universitário que já atingiu a idade limite de 21 anos, à míngua de previsão legal, pois a lei só permite a percepção de pensão por morte ao maior de 21 anos se inválido e apenas enquanto persistir a situação de invalidez. (TJ-AM - AC: 06722900720228040001 Manaus, Relator.: Joana dos Santos Meirelles, Data de Julgamento: 24/05/2023, Câmaras Reunidas, Data de Publicação: 24/05/2023)
Essa uniformização, embora traga previsibilidade, não silencia questionamentos sobre sua adequação à realidade social. A complexidade do cenário exige análise criteriosa dos desafios enfrentados pelos jovens. A vulnerabilidade social, o desemprego crescente e as dificuldades de acesso ao ensino superior demandam soluções que vão além da aplicação da lei. A busca por equilíbrio entre a sustentabilidade do sistema previdenciário e a garantia dos direitos sociais dos jovens exige a participação de todos os setores da sociedade.
Conclusão
A Reforma da Previdência, ao consolidar o limite de 21 anos para pensão por morte a filhos, delineou novo panorama jurídico. Contudo, a norma não silenciou o debate sobre a proteção social dos jovens. A regra dos 21 anos, vigente e aplicada, não encerra a discussão sobre a adaptação do sistema à realidade social dinâmica.
A busca por equilíbrio entre a sustentabilidade do sistema previdenciário e a garantia dos direitos sociais dos jovens é um desafio complexo. A análise crítica dos impactos da reforma, aliada à busca por alternativas que assegurem a autonomia e a segurança dos jovens vulneráveis, é crucial.
A trajetória do tema, marcada por debates e interpretações, evidencia a necessidade de diálogo entre os atores da sociedade. A busca por soluções inovadoras, que conciliem responsabilidade fiscal com proteção social, é um desafio permanente.
Resumo em perguntas e respostas:
1. Qual o limite de idade para pensão por morte após 2019?
21 anos, exceto para inválidos ou deficientes graves.
2. Como era antes da reforma?
Limite de 21 anos, mas podia chegar a 24 para universitários dependentes.
3. Por que fixaram 21 anos?
Para uniformizar regras e garantir sustentabilidade do sistema.
4. O que os críticos acham?
O limite ignora desigualdades e prejudica jovens vulneráveis.
5. O debate acabou?
Não, ainda há discussão sobre proteção social e equilíbrio fiscal.
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David Camargo, Advogado Especialista em Direito Previdenciário e do Trabalho, Sócio Fundador do Escritório DAVID CAMARGO & ADVOGADOS ASSOCIADOS.
Notas:
Castro, Carlos Alberto Pereira de; Lazzari, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
Martinez, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: LTr, 2020.
Martins, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 37. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.
Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias.
Pulino, Daniel. Reforma da Previdência: Impactos e Desafios. São Paulo: LTr, 2022.
Ibrahim, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 24. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2021.
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